OSCAR COX E O FOOT-BALL NO RIO DE JANEIRO

É estranho imaginar um tempo em que o futebol não atraía centenas de olhares e não tinha um grande espaço dedicado a ele na imprensa, não é mesmo? Pois bem, se você é um daqueles que pensa que chutar uma bola é algo natural do brasileiro, resultado de uma mistura racial harmônica que combina força com gingado, e que isso fez do país superior a todas as outras nações quando o assunto é o esporte bretão, bom, é bem provável que você esteja equivocado.

Se assim fosse, era só colocar uma bola na frente de qualquer um que nascesse em terras brasileiras e pronto, teríamos mais um craque para vestir a camisa do nosso clube do coração ou mesmo da seleção. Em diversos textos, escritos nesta vastidão que é a internet (e não somente nela), podemos enxergar uma divisão da trajetória do futebol em três momentos:

1 – O esporte da elite;
2 – Aproximação das diversas camadas sociais;
3 – Aproximação e inclusão dos negros.

Tal análise, embora possa ter suas coerências, de certo modo reduz a história a uma linearidade perigosa, pois limita o olhar a uma sequência que desconsidera muitos fatores presentes no processo de consolidação do futebol no Brasil.

O futebol brasileiro é um resultado extremamente complexo de uma série de experiências de muitos sujeitos, que ao longo de anos, contribuíram na construção histórica do esporte como o entendemos nos dias atuais. Um destes personagens é Oscar Cox, membro da elite, descendente de ingleses e nascido em solo brasileiro, o jovem saiu cedo do país e ao retornar de seus estudos na Europa, em 1897, trouxe em sua bagagem uma bola, as regras da recém criada International Association Foot-ball Board e o desejo de colocar em prática, juntamente de seus colegas, os novos hábitos adquiridos no exterior.

 

Oscar Cox e seu irmão, Edwin, tricampeão carioca em 1908.

Oscar Cox e seu irmão, Edwin, tricampeão carioca em 1908.

 

Cox foi um dos grandes incentivadores da prática do então foot-ball no Rio de Janeiro, capital federal. Mas vamos com calma, não que tenha sido ele o introdutor da prática na cidade, mas sim, assumiu um importante papel na introdução do jogo que já vinha, ainda que timidamente, sendo apresentado à capital federal nos primeiros tempos da República.

Sabe aquela situação que todo mundo que joga futebol já passou alguma vez na vida, de querer muito jogar aquela pelada, mas não saber onde encontrar mais pessoas para o famoso “rachão”? Oscar Cox passou por algo (tomadas as devidas proporções históricas de comparação) parecido. Ele tinha as regras e uma bola, mas como o jogo é coletivo, precisava também de pessoas interessadas no foot-ball. Com efeito, assim como boa parte da colônia inglesa no Rio de Janeiro, se tornou sócio do Paysandu Cricket Club e junto de alguns amigos, como o jovem Victor Etchegaray, jogava algumas partidas do ainda pouco conhecido jogo.

A primeira partida que extrapolou os limites do clube foi disputada entre os brasileiros do Paysandu Cricket Club contra os sócios do Rio Cricket, um outro clube da cidade. A partida terminou empatada e não atraiu muitos olhares. Na tentativa de acabar com a indefinição, outros dois jogos foram marcados entre os clubes, entretanto sem sucesso. Mais dois empates e a desconfiança se o jogo realmente vingaria.

É certo que o foot-ball já era uma prática bastante difundida na Inglaterra e em outros países do continente Europeu, principalmente pela criação da International Association Foot-ball Board, instituição que unificou as regras do esporte. É entendível também que, no Brasil, o jogo fosse em grande medida praticado por imigrantes e brasileiros egressos do velho continente e isso explicaria, em partes, a grande difusão da prática no estado de São Paulo, onde a imigração estrangeira se deu de forma mais intensa. Cox e seus amigos, após os três empates, pensaram que talvez fosse uma boa ideia buscar no estado vizinho, onde o jogo já se encontrava mais difuso, o empurrão que necessitavam para impulsionar o desenvolvimento do foot-ball em terras cariocas. Foram marcadas então, em São Paulo, duas partidas entre o Rio Team e o time paulista, que contava com figuras já conhecidas como Charles Muller, outro grande incentivador do jogo.

 

Charles Muller ao centro com a bola.

Charles Muller ao centro com a bola.

 

A primeira partida interestadual de que se tem registro (entre o Rio Team e os paulistas), embora tenha terminado empatada, assim como três jogos anteriores dos cariocas, foi um sucesso, relatada pela imprensa da época como “o mais belo jogo de foot-ball já visto”. Em 1902 o confronto interestadual se repetiu, com vitória dos paulistas do Club Atlético Paulistano.

 

Postal (frente) para fundação do Rio Team.

Postal (frente) para fundação do Rio Team.

 

Postal (verso) para fundação do Rio Team.

Postal (verso) para fundação do Rio Team.

 

1901: Rio Team em sua excursão contra os paulistas.

1901: Rio Team em sua excursão contra os paulistas.

 

Ao retornarem da excursão feita a São Paulo para a disputa das partidas, os jogadores do Rio Team se depararam com uma situação polêmica. Após ser deixado de fora dos jogos contra os paulistas por Oscar Cox, o capitão do Rio Cricket decidiu fundar seu próprio clube, o Rio Foot-ball Club. Com a novidade, os vinte participantes da viagem para São Paulo logo trataram de se organizar e ainda em 1902 receberam um convite para a assembleia de fundação de uma nova associação, o Fluminense Foot-ball Club.

O surgimento do novo clube futebolístico, presidido por Oscar Cox, foi um ponto bastante significativo no processo de consolidação do futebol entre os jovens abastados do Rio de Janeiro, pois após sua criação observou-se também um aumento no interesse pela prática. Com o passar do tempo e no embalo da curiosidade, outras associações foram pipocando pela cidade. Em 1904 surgiam o Bangu, Botafogo e América, além do Clube de Regatas do Flamengo, que embora fosse um clube de remo, dava em 1903 seus primeiros chutes em partidas contra os membros do Fluminense Foot-ball Club.

Abaixo os escudos de América (1904), Bangu (1904), Botafogo (1894), Flamengo (1895), Fluminense (1904) e Vasco da Gama (1903):

 

Ilustrações: acervo Futbox.

Ilustrações: acervo Futbox.

 

Charles Muller, Oscar Cox e tantos outros nomes de famílias endinheiradas que, apesar dos nomes estrangeiros, eram nascidos no Brasil, saíram cedo para estudar e ao retornarem trouxeram práticas e tradições. O cruzamento das histórias nos permite entender parte da lógica sob a qual o futebol nasce e se desenvolve na elite nacional, entretanto eleger personagens específicos (que tiveram sua relevância no processo de introdução do foot-ball) para explicar a consolidação do futebol em nosso país é reduzir a história a personagens, que no limite de suas experiências individuais, não dão conta de explicar um processo tão complexo que consolidou um esporte tão difuso, mas que por outro lado, podem ter em suas trajetórias um dentre tantos caminhos para o entendimento da história do jogo e de seus praticantes.

 

• Texto de Breno da Rosa, estudante do quinto ano de Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Fundador e editor do portal Antigas Fotos do Futebol Brasileiro.

• Baseado no livro “Footballmania: Uma história social do futebol no Rio de Janeiro”, de Leonardo Affonso de Miranda Pereira.

• Foto de capa: Rio Team, julho de 1902. Equipe carioca em excursão a São Paulo para a disputa de dois amistosos contra os clubes locais: Paulistano e Internacional. Apesar de duas derrotas, o desejo de fundar um clube no Rio de Janeiro estava cada vez mais forte na cabeça daquele grupo de jovens.

 

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