O legado dos ingressos abusivos no futebol brasileiro e o risco do torcedor desvinculado

Os pequenos públicos registrados na história recente do futebol brasileiro, salvo ocasiões especiais, e os novos preços abusivos dos ingressos praticados pelos clubes com a nova fase (entenda por novos estádios) do futebol no país, podem deixar um grave legado capaz de gerar mais uma dor de cabeça a longo prazo: o torcedor desvinculado.

Alguns podem chamar de torcedor distante, mas o termo “desvinculado” melhor se aplica no caso, pois independente de sua localização geográfica, o torcedor estará afastado do clube. Esse possível torcedor (que também pode ser chamado de fã) do futuro será fruto dos problemas identificados no presente. Serão torcedores que por conta dos abusivos preços, nunca ou pouco terão frequentado um estádio de futebol. Nunca ou pouco terão tido a fabulosa experiência de presenciar um grande clássico ou uma partida decisiva de seu clube do coração, nem mesmo terão vivenciado aquele clima fantástico de cânticos, tremular de bandeiras, de diversão familiar ou entre amigos que um estádio de futebol proporciona. Todo esse contexto subjetivo envolvido na experiência de presenciar jogos (especialmente os grandes jogos) de futebol é marcante na infância e adolescência dos muitos dos torcedores hoje economicamente ativos e é fundamental para se alimentar a paixão clubística local. Com os abusivos preços aplicados hoje, aliados à má gestão e ineficiente trabalho de branding da maioria dos clubes brasileiros, é possível que muitos dos torcedores do futuro tenham pouco ou nenhum acesso a tais experiências e portanto, esse contexto não estará em suas lembranças.

Um fenômeno diferente do acima citado, e que por alguns poderia ser usado como argumento contrário ao deste artigo, torna-se cada vez mais comum. Torcedores ou fãs, termo que melhor se aplica na situação, adotam clubes e ligas esportivas distantes geograficamente como objetos de sua paixão e admiração, abandonando um possível vínculo a modalidades e clubes locais. Dois exemplos são claros: a ascensão do futebol americano no Brasil, com crescente transmissão ao vivo de jogos e milhares de fãs (da modalidade e das equipes) espalhados pelo país; e o sucesso dos clubes europeus, em especial ingleses, junto a fãs asiáticos.

Manchester United tem milhões de torcedores espalhados pela Ásia

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Com práticas de branding, marketing e comunicação, essas ligas e clubes ultrapassam facilmente a barreira geográfica e passam a fazer parte da vida de tal público. Assim, exploram o potencial existente em novos mercados, ampliam sua base de fãs, expandem suas marcas e potencializam as receitas, criando um ciclo virtuoso.

Esses são os fãs distantes, não os desvinculados. Mesmo longe geograficamente, possuem meios que alimentam suas paixões e os tornam torcedores e consumidores de realidades distantes geograficamente da que vivem. E cabe ressaltar: fãs desvinculados são presas ideais para tais ligas e clubes os transformarem em valiosos fãs distantes.

Atualmente, trabalha-se no esporte com o conceito de planejamento de legado, já fundamental nas novas candidaturas a Jogos Olímpicos e ainda muito distantes da FIFA e outros eventos futebolísticos. No nosso país, dá-se mais uma prova dessa distância – o legado que os gestores do futebol parecem criar a partir dos novos estádios se mostra potencialmente danoso. A curto prazo, gera receitas inimagináveis com a venda de ingressos, mas a longo prazo, a sustentabilidade da prática é bastante duvidosa – enquanto são novidades, os novos estádios chegam a atrair maior público. A grande dúvida, porém, é se a longo prazo o torcedor conseguirá, semanalmente, pagar R$ 100,00 ou R$ 200,00 reais em um único ingresso para uma partida de futebol. E com trabalhos de marketing e branding muito incipientes e pobres nos clubes brasileiros, corre-se o sério risco de não se alimentar paixões, mesmo que à distância, e ampliar a cada dia o número de fãs desvinculados. Assim, só restará esperar que outras ligas e clubes estrangeiros venham aqui e os encantem. E para quem acha que só farão isso no futuro, vale a pena abrir os olhos: já estão fazendo há algum tempo.

*texto originalmente publicado em www.sbranding.com.br/blog (09/08/2013)

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