O futebol dentro de casa

Ser filho único é complicado, ainda mais para um amante do futebol. Esporte de massa, das multidões enlouquecidas, onze para cada lado, técnico, reservas e mais um monte de gente. Mas como era só eu, tive que aprender desde cedo a me virar sozinho. No futebol de botão, por exemplo, eu era narrador, comentarista, juiz e técnico das duas equipes. Se um time atacava pela direita, eu, como técnico do outro esquete, colocava o volante marcando e o lateral na sobra. O difícil era o placar sair do zero a zero. Quando a competição saía do estrelão (essa é só para a galera inteirada do jogo de botão) e ia para o terreiro de casa a coisa complicava. Você não imagina como é difícil bater pênalti para você mesmo defender. Eu levava numa boa, mas faltava alguma coisa.

Até que um dia mamãe me deu a notícia:
– Você vai ter um irmãozinho!

Meus olhos até brilharam, já me imaginava passando todos os conhecimentos sobre futebol adquirido ao longo dos anos, disputando campeonatos intermináveis no terreiro de casa ou no tablado do estrelão. Era só esperar nove meses e mais uns três anos no máximo para o brother atingir uma maturidade necessária para ingressar no maravilhoso mundo da bola.

Passaram-se alguns meses e então tive outra notícia:
– Vai ser uma menina! Disse minha mãe com um esfuziante sorriso.
Eu não acreditava. Parecia um castigo. Toda a minha dedicação escrevendo apostilas, desenvolvendo táticas e estratégias, elaborando desenhos, preparando os times, tudo estava arruinado. O sonho ia por água abaixo. Ah, mas não ia não! Não me importava se ela estava no time feminino, com suas Barbies, Moranguinhos, melissinhas, papéis de carta e o resto de todas as frescuras juntas. O meu plano já estava pronto. Comecei sugerindo um nome para ela: Romária. Minha mãe não gostou. Fazer o que se ela não entende nada de futebol.

Os anos foram passando e eu não descansava. Quantas noites passei em claro aprimorando meus conhecimentos. Só para entender a regra três foram seis meses, “tantas você fez que ela cansou, porque você rapaz, abusou da regra três”, abusei mesmo.

No auge dos meus oito anos já me considerava um expert da bola, pós-graduado em teorias futebolísticas. Passei meus conhecimentos como um mestre passa para o seu aprendiz. Você se lembra do Karatê Kid? Pois é, eu era o próprio Senhor Miaggy e minha irmãzinha o Daniel San. Haja paciência… Quanta paciência!

Certa vez eu a vi assistindo um jogo de futebol na TV e fiquei emocionado. Perguntei:
– Pra qual time você ta torcendo?
– Pro de preto.
– O QUE? – Perguntei espantado. O jogo era entre América do Rio e União São João, ou seja, não havia time de preto. NÃO TEM TIME DE PRETO! Retruquei.
– Aquele que ta correndo com o apito na boca. Respondeu ela inocentemente.
– Esse é o juiz! Não pode torcer para o juiz!
– Porque não?
Não sabia o que responder.

Outra vez, estávamos jogando bola nos fundos lá de casa e eu defendi um chute dela. Ela me perguntou:
– Porque o goleiro pode pegar com a mão?
COMO POR QUÊ? Como alguém pergunta por que o goleiro pode pegar com a mão? Ora, ele é o goleiro, é porque é, sei lá, é como perguntar por que a Terra é redonda… Outra vez fiquei calado.

A minha derradeira decepção aconteceu quando papai perguntou o queríamos ganhar do Papai Noel. Eu respondi na lata;
– O uniforme completo da seleção brasileira!
Tinha certeza que minha irmã ia pedir uma bola de couro, ou uma camisa do Real Madrid, ou uma mesa oficial de futebol de botão. Opções não faltavam.
– Eu quero a casa da Barbie, disse minha irmãzinha.

Minha missão havia chegado ao fim e eu havia falhado. Mas aprendi uma coisa importante: Ainda tenho muito que aprender nessa vida, principalmente sobre as mulheres.

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André Fidusi

Publicitário e jornalista por formação, ilustrador por vocação. Futebol na veia. Quem pede recebe, quem desloca tem preferência. Pegar de pé é dibra. Vamo que vamo!

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