Campeonato Brasileiro: nomenclatura e significado histórico

Quando foi bicampeão brasileiro em 2021, o Clube Atlético Mineiro comunicou que não iria incluir uma segunda estrela em seu escudo oficial, mesmo com o desejo público manifestado pelo seu técnico na época. A justificativa oficial foi por causa do simbolismo da estrela atual, referente ao primeiro título brasileiro, conquistado em 1971, segundo o entendimento do clube. Temos aqui, mais um capítulo da série de polêmicas históricas em relação à principal competição do país. Sem falar do número “50” gravado no troféu de 2021.

Antes de entrarmos nesse emaranhado de confusão que se perpetua há décadas, é importante esclarecer que precisamos celebrar todas as conquistas dos clubes brasileiros, desde 1959. Enaltecer a campanha memorável do Galo na conquista do bicampeonato, um dos quatro desempenhos mais incríveis da Era dos Pontos Corridos, ao lado do rival, Cruzeiro (2003), do Flamengo (2019) e do Palmeiras (2022), que se tornou hendecacampeão, e no ano seguinte, dodecacampeão (2023), ou se preferirem, doze vezes campeão.

E ainda, que essa decisão do Atlético-MG, referente a não inclusão de uma segunda estrela, é acertada, mesmo sendo por vias tortas, pois a primeira estrela será (se já não foi) ressignificada, simbolizando o torcedor atleticano. Proposta, inclusive, do ex-prefeito de Belo Horizonte, Alexandre kalil, na época em que era dirigente do clube.

(Para saber todos os detalhes sobre a história do Campeonato Brasileiro o Futbox realizou um levantamento inédito sobre o tema. Você pode acessá-lo aqui).

 

Referência e autoridade

 

Reconhecer o mérito do outro e resgatar a história do futebol brasileiro são sinais de grandeza e uma obrigação dos profissionais do esporte, pois eles podem mudar de clube, federação, confederação ou patrocinador, e os seus legados devem incluir também conhecimento e não somente resultado.

Existe muito debate sobre a história do Campeonato Brasileiro, mas pouco conhecimento em relação à sua origem e, principalmente, significado. São muitos ex-jogadores comentaristas nas TVs (aberta e paga) que não possuem um estudo preliminar sobre o tema e emitem opiniões acreditando que estão apontando argumentos. Aliás, um equívoco comum: confundir opinião com argumento. O erro fica ainda pior quando alguns jornalistas e dirigentes de clubes ou federações cometem o mesmo equívoco em relação às origens da competição. Defendem interesses específicos e não a história. A propósito, a gestão do futebol brasileiro precisa ser coletiva e não individual. Pensar o produto em conjunto.

 

Unificação

 

Em 2010 a CBF unificou todos os títulos brasileiros. Veja bem, “títulos brasileiros” e não, as competições ao logo desse periodo. Entretanto, todas elas elegiam oficialmente o “campeão brasileiro” de cada ano/temporada. Baseou-se no dossiê produzido pelo jornalista e historiador, Odir Cunha, que realizou uma pesquisa aprofundada sobre os vencedores da Taça Brasil (1959 a 1968), do Torneio Roberto Gomes Pedrosa (1967) e da Taça de Prata (1968 a 1970), a pedido dos seis clubes campeões nesse período: Bahia, Botafogo, Cruzeiro, Fluminense, Palmeiras e Santos.

Diga-se de passagem, o maior e mais vencedor periodo do futebol brasileiro, quando a seleção conquistou o tricampeonato mundial (Copas de 1958, 1962 e 1970). Época de Pelé, Tostão, Garrincha, Didi, Rivellino, Gérson, Nílton Santos, Djalma Santos, entre outros. Futebol insuperável até hoje, tanto em desempenho como em resultado.

 

México 1970: delegação do Brasil

México 1970: delegação do Brasil

 

Desde então (2010) começou uma polêmica desproporcional sobre a “origem” do Campeonato Brasileiro. Os que são contra a unificação ou mesmo, contra a utilização do termo “campeão brasileiro” para os campeões entre 1959 e 1970, apontam até hoje uma série de mitos para defender essa posição: a decisão foi política e não histórica, que seria para prejudicar determinado clube, etc. Entretanto, existem alguns fatos que por si só já são o suficiente para esclarecer tudo, como por exemplo: 1989 foi a primeira vez que a competição foi chamada oficialmente de “Campeonato Brasileiro”. Entre 1959 e 1988, inclusive cunhado no troféu, nunca tivemos esse nome, mas durante todo o periodo em questão os torcedores, a imprensa e os orgãos de transmissão se dirigiam à competição e ao vencedor como Campeonato/Campeão Brasileiro. Os nomes ao longo do tempo:

 

• 1937*: Torneio dos Campeões

• 1959 a 1968: Taça Brasil

• 1967: Torneio Roberto Gomes Pedrosa

• 1968 a 1970: Torneio Roberto Gomes Pedrosa | Taça de Prata

• 1971 a 1974: Campeonato Nacional de Clubes

• 1975 a 1979: Copa Brasil

• 1980 a 1983: Taça de Ouro

• 1984: Copa Brasil

• 1985: Taça de Ouro

• 1986: Copa Brasil

• 1987**: Copa União – Torneio João Havelange (Módulo Verde)  | Copa Brasil – Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Módulo Amarelo)

• 1988: Copa União – Copa Brasil de Futebol

• 1989 a 1999: Campeonato Brasileiro

• 2000: Copa João Havelange

• 2001 e 2002: Campeonato Brasileiro

• A partir de 2003: Campeonato Brasileiro – Série A

 

*No dia 25 de agosto de 2023, o título do Torneio dos Campeões foi unificado pela CBF aos títulos brasileiros conquistados a partir de 1959, a pedido do Atlético-MG, que havia entregue um dossiê sobre 1937 à instituição um ano antes.

O Torneio dos Campeões, conhecido também por “Copa Campeão dos Campeões” ou ainda, “Copa dos Campeões Estaduais”, foi um torneio promovido em 1937 pela “FBF – Federação Brasileira de Football”, que se uniria mais tarde à “CBD – Confederação Brasileira de Desportos” e, no ano de 1979, se tornaria a atual CBF. O torneio teve a participação dos campeões de 1936 das Ligas dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, além das equipes Liga de Sports Marina (convidado) e Sport Club Aliança (campeão campista), eliminados na fase preliminar. Naquela época, a divisão regional do Brasil era diferente. Minas, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Sergipe formavam a “Região Oriental”. Já São Paulo, fazia parte da “Região Meridional”. Foi o segundo torneio entre campeões estaduais, organizado pela FBF, sendo precedido pelo “Torneio dos Campeões” em 1920, quando o Club Athletico Paulistano foi o campeão. Com quatro vitórias, um empate e uma derrota, o Atlético-MG ficou com o título e o Fluminense repetiu o 2º lugar de 1920.

(Os dados do Torneio dos Campeões não foram contabilizados aqui).


**O eterno asterisco em 1987. Toda a história sobre a Copa União e os motivos para existirem dois campeões brasileiros em 1987, um de fato e outro de direito,
aqui).

Dessa forma, se podemos chamar somente de “campeão brasileiro” os clubes que venceram o “Campeonato Brasileiro”, então seriam apenas os vencedores de 1989 para cá, exceção feita em 2000, quando tivemos a Copa João Havelange. Ou ainda, se “Campeonato Brasileiro” for apenas as competições com as características desse formato: pontos corridos com turno e returno, então seriam somente os clubes campeões a partir de 2003.

Na verdade, todos os clubes que venceram as competições nacionais de 1959 a 2022 são campeões brasileiros, mas nem todos conquistaram o Campeonato Brasileiro ou mesmo, o Campeonato Brasileiro – Série A, se adotarmos a nomenclatura como fator de definição.

Porém, se focarmos no significado histórico – que é o mais importante – pois fatos históricos não mudam com o tempo, já as decisões em tribunais, sim, dependendo dos interesses políticos e/ou econômicos de cada gestão, todos os clubes são vencedores do Campeonato Brasileiro, que teve vários formatos, nomes, regras, número de participantes, critérios de qualificação e modelos de troféus diferentes entre 1959 e 2003, quando finalmente adotamos o sistema de pontos corridos.

Abaixo todos os modelos de troféus ao longo da história:

 

Ilustrações dos troféus: acervo Futbox

Ilustrações dos troféus: acervo Futbox

 

Ilustrações dos troféus: acervo Futbox

Ilustrações dos troféus: acervo Futbox

 

(Conheça a Galeria de Troféus do Futbox com as principais competições do Brasil e do mundo, atuais e extintas, aqui.)

Quando resgatamos um periodo histórico é fundamental que o analisemos com a cabeça da época, como era a relação da competição com os clubes, torcedores, midia, imprensa, patrocinadores e sociedade em geral naquela ocasião. Os critérios de participação, qualificação ou não para outras competições, se haviam outras equivalentes durante aquele periodo de disputa, etc. Não devemos avaliar um periodo ou competição, por exemplo, com julgamentos ou comparações a partir do nosso momento atual.

 

Todos os modelos de troféus referentes aos títulos brasileiros, desde 1959, os campeões e curiosidades de cada periodo.

 

Conheça também o Futbox – Centro de Pesquisa Gráfica Sobre Futebol. Mais de 30 anos dedicados à história ilustrada do futebol brasileiro e mundial. Desde de 2013 desenvolvendo conteúdos e soluções para o mercado do esporte mais popular do mundo:

 

Futbox: concepção, desenvolvimento, publicação

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Futbox no Bora Pra Resenha

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Adriano Ávila

A prova inquestionável que existe vida inteligente fora da Terra é que eles nunca tentaram contato com a gente.

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