Mundo real e mundo virtual: não precisamos abdicar de um para estar no outro

Na quinta-feira retrasada, dia 15 de julho, o pretenso coletivo artístico Unique One divulgou algo que julgou ser genial: a queima da obra de Pablo Picasso, intitulada “Fumeur V”. O rascunho foi feito pelo artista em 1964 e comprado em um leilão na Christie’s, em abril desse ano, por cerca de 20 mil dólares, valor equivalente hoje a mais de 104 mil reais.

Existe um ditado que diz: “Todo idiota se acha genial”. Precisamos lembrar disso toda vez que estivermos próximos de realizar algo “grandioso” ou fazer uma declaração impactante, ou mesmo, apontar caminhos e soluções mirabolantes para um problema, desafio, etc, ainda mais se forem de resolução rápida e simples.

Quando o coletivo em questão queima uma obra para “eternizá-la no blockchain”, como disse um dos seus integrantes, na verdade estão passando um atestado de ignorância em tudo o que envolve a presunçosa atitude, além de representarem um problema crônico e contemporâneo em nossa sociedade, principalmente nos jovens, que é a carência afetiva catalizada pelas redes sociais, onde todo mundo é celebridade de si mesma e nem todos são tão especiais como suas fotos e videos pretendem mostrar. Existe uma chance considerável desses jovens se tornarem adultos infantis, inclusive, onde a intolerância e o ódio pelo diferente serão os combustíveis de muitos transtornos durante a vida.

Picasso e sua obra, Fumeur V

Picasso e sua obra, Fumeur V

 

Retornando ao lamentável fato da queima, o NFT (non-fungible token ou “token não-fungível”) são arquivos digitais que podem ser imagens, ilustrações, videos, colagens, etc, acompanhados de provas de propriedade e autenticidade, como uma escritura de um imóvel ou criptomoedas como bitcoin e ether, por exemplo, e são comercializados em “blockchains”, uma espécie de bancos digitais que processam e validam as compras e as vendas desses arquivos digitais. Em contrapartida, o dinheiro no mundo real como o dólar ou a libra são ativos “fungíveis”, isto é, qualquer nota de 100 dólares terá o memo valor do que outra nota de 100 dólares.

Alguns exemplos para que possamos entender o absurdo em queimar uma obra de arte: seria o mesmo que os clubes de futebol começassem a queimar suas camisas históricas, documentos ou derretessem seus troféus para transformá-los em NFTs apenas ou ainda, museus queimando seus acervos e exposições para transportá-los exclusivamente para o mundo digital.

No universo do futebol o mercado dos NFTs está bem em evidência e clubes europeus como Liverpool, Real Madrid e Bayern de Munique já vendem cards digitais de seus atletas há algum tempo. No Brasil, o Atlético-MG é pioneiro na comercialização de obras relacionados à sua história, como o NFT da lendária defesa do goleiro Victor na cobrança de um pênalti na Libertadores de 2013. Recentemente, o Futbox – centro de pesquisa gráfica sobre futebol – prestou consultoria ao clube mineiro para o lançamento da sua coleção de camisas históricas no formato NFT.

 

Página do Atlético-MG no portal Futbox.com e a imagem da camisa que serviu de referência para o NFT do clube

Página do Atlético-MG no portal Futbox.com e a imagem da camisa que serviu de referência para o NFT do clube

 

Mais do que nunca os dirigentes e gestores dos clubes de futebol precisam compreender esse novo mercado, suas particularidades, características e armadilhas, pois o NFT é uma possibilidade comercial duradoura e com várias ramificações em relação às ativações das marcas e acervos dos clubes, onde uma decisão equivocada ou mal avaliada poderá queimar não só uma peça, mas a reputação ou o legado de uma instituição.

Queimar uma obra física de um artista reconhecido mundialmente, com um legado de extrema importância cultural, justificada por um discurso pseudo-artístico de ruptura de um sistema ou questionamento à censura no mundo, mostra a imaturidade e a vaidade dos integrantes do coletivo. Aliás, o nome do grupo é um paradoxo: “coletivo” e “unique one” são duas coisas antagônicas e para ser irônico, antes precisa ser inteligente.

A atitude de queimar a obra não foi artística e sim, puramente capitalista. No final faltou coragem aos integrantes para assumir isso. A queima teve o objetivo claro de alavancar os valores do NFT da obra “Fumeur V” de forma apelativa e até mesmo, violenta. Não há nada além do preço. Não existe valor nessa ação, somente ganância, além das já citadas vaidade e carência, misturadas com uma falta de noção entre os limites do mundo real e virtual. Ambos podem e devem coexistir, não precisamos abdicar de um para estar no outro.

 

Podcast:

 

Clique na imagem abaixo e confira o bate-papo na íntegra no Bora Pra Resenha Podcast onde falamos sobre a revitalização das marcas dos clubes de futebol, seleção brasileira, calendário, VAR, regras atualizadas, as novas demarcações do campo e muitas outras curiosidades sobre a história do futebol:

Futbox no Bora Pra Resenha

Futbox no Bora Pra Resenha

 

 

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Adriano Ávila

A prova inquestionável que existe vida inteligente fora da Terra é que eles nunca tentaram contato com a gente.

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