A desconstrução estética e tática do futebol brasileiro
Camisa verde e amarela sem peso, técnico sem imaginação e que desidrata os seus talentos, jogadores adolescentes – salvo raríssimas exceções – e torcida de instagram. A desconstrução estética e tática do seleção brasileira não se deu da noite para o dia. Foram necessários muito empenho, dedicação e networking, durante décadas, dos responsáveis pela (des)organização do futebol brasileiro.
O uniforme está sem personalidade faz tempo, sem lastro, com um tom amarelo pálido, onde inserir grafismos sobre Amazônia, Pantanal, cidadania, clima ou materiais de reciclagem (com acabamento duvidoso) fossem a “solução criativa” para aproximar a seleção do seu povo ou mesmo, celebrar o futebol brasileiro. Um recalque em relação à nossa irresponsabilidade diante das pautas sociais, culturais e climáticas.
O uniforme da seleção brasileira precisa ser do tamanho do Brasil no futebol
A inovação está no material, no corte, nos tags, no comportamento, relacionamento e nos meios de consumo dos produtos e não, necessariamente, em texturas e modelos sem personalidade, com a pretensão de “conversarem” com os jovens por meio de tentativas cafonas de design emulando ambientes de “eGames / eSports”. (Mais a respeito desse tópico aqui).
O futebol apresentado pela seleção brasileira, desde os 7×1 (maior vexame de todos os tempos no futebol mundial), é limitado e nem um pouco corajoso. Coerência, muitas vezes é a desculpa preferida quando não existe criatividade em campo ou no banco de reservas. O técnico anterior, que comandou o Brasil nas Copas de 2018 e 2022, foi bem coerente nesse sentido. E vaidoso, reduzindo a qualidade do plantel que tinha nas mãos aos seus objetivos particulares. Isso ficou nítido quando abandonou os jogadores brasileiros chorando no campo, em 2022. (Perna Curta: artigo sobre a derrota para a Croácia).
Já o técnico atual, apesar de usar o casaco do “Velho Lobo”, está longe, muito longe de ser um predador dentro das 4 linhas. Ficou de fora da “rodinha”, inclusive, na disputa por pênaltis contra o Uruguai pelas Quartas da Copa América de 2024, ao contrário de “El Loco Bielsa”, que foi o centro das atenções na Celeste Olímpica. Verdade que tal fato é consequência também da imaturidade e alienação dos jogadores brasileiros, craques de Instagram e Tiktok, mas que desaparecem em jogos contra adultos.
Soma-se a isso o drible que, ainda por cima, é punido nos gramados por árbitros e jogadores e nas arquibancadas pelos torcedores que, em sua grande maioria, são aqueles que podem pagar os planos de sócios, pois o povão no Brasil, só é chamado, de fato, quando o clube está prestes a cair. Lembrando: o jogador brasileiro não costuma nascer no Leblon e nem na Faria Lima.
Vale tudo pelo resultado. Inclusive, deixar de ser Brasil
A estética também se aplica em como o “jogo é jogado”. Desde 1982, a essência do futebol brasileiro vem sendo colocada à prova por treinadores e comentaristas, geralmente brasileiros, que preferem jogar feio e ganhar do que jogar bonito e perder. Eu, particularmente, prefiro jogar bonito e ganhar.
De tempos em tempos é preciso que treinadores estrangeiros nos lembrem que essa máxima é possível, mesmo com armadilhas no percurso como Parreira e Felipão, treinadores campeões do mundo e que merecem respeito e gratidão, mas que possuem também em seus currículos, 2006 e 2014.
Parreira e Felipão, esse último responsável direto pelo rebaixamento do Palmeiras em 2012 e premiado com o comando da seleção dois anos depois, nunca tiveram a plasticidade do jogo e nem a capacidade de surpreender o adversário como Telê Santana o fez. Quem viveu a Copa da Espanha ou os títulos mundiais do São Paulo (1992 e 1993) sabe do que estou falando. E quem for curioso pode saber também, basta assistir aos jogos no streaming.
Contudo, estamos formando gerações digitais que pensam o contrário, onde a vitória é a única coisa que importa, não importa como. A vida adulta irá mostrar o contrário. Fernando Diniz não resistiu à ansiedade pelo resultado dos torcedores e de boa parte da imprensa em sua busca diária por cliques, algumas vezes em detrimento da veracidade ou qualidade das notícias divulgadas. Felizmente, existem bons jornalistas com visões críticas (principalmente as mulheres) e com grande bagagem histórica sobre o futebol brasileiro.
O ex-treinador do Fluminense, que conquistou o maior título do clube, a Libertadores de 2023, pensou diferente, foi a lâmpada num ambiente de lampiões. A filosofia de jogo do Diniz, antes de dar certo, vai dar errado um tempo e depende muito do talento que nem sempre se encontra nos clubes, mas na seleção brasileira, sim. Não deram tempo para ele. O Brasil poderia ir aos trancos e barrancos nas Eliminatórias, se classificar em sexto e disputar 8 jogos na Copa do Mundo, conquistando o hexa com um futebol digno da sua história. Quantas vezes nos deparamos com esse roteiro nas edições passadas, não é mesmo? Diniz pode ser o primeiro técnico brasileiro com sucesso na Europa.
7×1 não é placar. É sintoma
A seleção pentacampeã do mundo está repleta de adultos infantis, é verdade, assim como as redes sociais. Jogadores, com raras exceções, que jogam por uma celebridade desconexa da realidade e não pelo país. Aliás, o “ex-jogador em atividade/celebridade” em questão, foi e continua sendo, uma influência lamentável para crianças e jovens que se espelham em alguém sem personalidade, sem maturidade e sem a noção do que significa ser um ídolo, principalmente em tempos de redes sociais, onde essas mesmas determinam os valores dos salários nos mercados e o pior, pautam a midia criando bizarrices em relação a matérias e narrações. (Uma reflexão a respeito desse tema aqui: Cinema, Streaming, Jornalismo e a inversão total de sentido).
Vinícius Jr. é uma exceção dentro dos “selecionáveis” e merece elogios, dentro e fora de campo. Precisa apenas de um “ajuste fino”: dentro de campo para não tomar cartões amarelos desnecessários e fora dele, para não copiar procedimentos e atitudes de quem está na arquibancada. Nossa “celebridade desconexa” (pleonasmo?) não foi capaz de passar o bastão dentro de campo. Tenta agora, fora dele.
O atacante do Real Madrid não tem a obrigação de ser o novo protagonista dessa seleção, mas carrega essa missão. É inevitável. E está sozinho também na luta contra o racismo, por exemplo. Sem falar de quando o assunto é a violência contra a mulher. Nesse caso, o cenário piora muito: um espaço sideral sem nenhum som vindo do campo ou de fora dele.
Futebol e política se misturam e precisam conversar sempre. O que é diferente do primeiro ser usado pelo segundo como ferramenta de alienação. Quem mata no trânsito é o ser humano e não o carro. (Mais sobre esse bate-papo aqui: Política FC: Futebol, Cinema e História).
Afastar a periferia dos estádios é um tiro no pé que insistimos em repetir. A propósito: estádios e não arenas. E aqui temos mais um ingrediente indigesto nesse caldeirão: a naturalização daquilo que não faz parte. O jogo de bola em si vai aos poucos perdendo espaço para as “experiências” em torno dele. Já não é mais suficiente assistir a uma partida de futebol, é preciso apostar, interagir e dar opinião em “real time”, além do pior: ressignificar locais onde se pratica o futebol para cenários de guerra, de confrontos e desafios armados, como são alguns ambientes famosos de games. Os responsáveis por naturalizar a mistura desses ambientes estão anestesiados e desprovidos de qualquer pensamento crítico a respeito. (Mais detalhes aqui).
O mesmo acontece com a AI (Inteligência Artificial), que não é “inteligência”, muito menos “artificial”. Jovens e adultos fascinados com a possibilidade de criarem coisas sem ter talento algum ou dedicarem esforço para tal. Acreditam ser os agentes da transformação, quando na verdade, são robôs trabalhando de graça, mais uma vez, para gigantes corporativos. (Algumas provocações neste artigo: Paradoxo Contemporâneo).
Várias gerações cresceram ouvindo dizer que o Brasil era o país do futebol. Na verdade, o país-sede desse esporte, historicamente, são mais de um: Inglaterra, Argentina, Uruguai, México, Itália e Turquia possuem uma relação entre seleção e torcida muito mais visceral do que temos aqui no Brasil, sejam nos jogos em seus próprios países ou por onde passam suas seleções. E a diferença nunca foi tão abissal. O termo “visceral” significa “relativo” ou “pertencente” e a seleção brasileira deixa muito a desejar nesse quesito. Ela representa quem?
Foto de capa: Dorival Júnior após eliminação do Brasil para o Uruguai na Copa América 2024 | Kevork Djansezian – Getty Images
FUTBOX – Centro de Pesquisa Gráfica Sobre Futebol:
Projetos desenvolvidos para clubes de futebol, marcas esportivas, empresas e festivais de cinema
Artigos sobre futebol e esporte a partir do equilíbrio entre tradição e inovação
Veja também:
O uniforme da seleção brasileira precisa ser do tamanho do Brasil no futebol
Guia do Mundo Árabe FC: Os significados dos nomes de 250 clubes de 23 países
Política FC: Futebol, Cinema e História
Para mulheres, jogar futebol já foi caso de polícia durante a ditadura
Honduras contra El Salvador: A partida de futebol que iniciou uma guerra
Mundialito: a Copa que a Fifa escondeu
Fatos Históricos e Reconhecimentos
A história do Campeonato Brasileiro
Campeonato Brasileiro: nomenclatura e significado histórico
Metodologia dos 3Ts: Tradição, Torcida e Troféus
10 Novas Regras para o Futebol
As Novas Demarcações do Campo de Futebol
O Novo Calendário do Futebol Brasileiro
Podcast:
Clique na imagem abaixo e confira o bate-papo na íntegra no Bora Pra Resenha Podcast onde falamos sobre a revitalização das marcas dos clubes de futebol, seleção brasileira, calendário, VAR, regras atualizadas, as novas demarcações do campo e muitas outras curiosidades sobre a história do futebol:
Categorias: Fora das 4 linhas / FutebolPágina inicial