O Paradoxo de 1987

O Sport comemora hoje (7 de fevereiro) o seu título brasileiro conquistado há exatos “37” anos. Entretanto, 1987 foi há 38 anos. Antes de apresentarmos os motivos dessa conta não fechar e a razão do termo “paradoxo”, presente no título, vamos retornar ao ano que insiste em não acabar. E também, esclarecer que nenhum dos dois troféus mostrados na imagem de capa desse artigo é o oficial do Campeonato Brasileiro: o da esquerda foi oferecido pela Revista Placar e o da direita pela Caixa Econômica Federal, mais conhecido como “Taça das Bolinhas”.

 

A polêmica de sempre: dois campeões brasileiros?

 

O consenso sobre o título brasileiro de 1987, confrontando a famosa Copa União – Torneio João Havelange, organizado pelo “Clube dos 13” e a Copa Brasil – Torneio Roberto Gomes Pedrosa, organizado pela CBF, provavelmente nunca existirá. Sport Flamengo disputaram durante décadas na Justiça, quem foi o campeão daquele ano.

Em 4 de março de 2016 o Flamengo sofreu uma dura derrota, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) negou o seu pedido de reconhecimento do título brasileiro da Copa União. Com a decisão, o Sport foi declarado como único campeão brasileiro daquele ano. Decisão essa que foi ratificada em 18 de abril de 2017, quando o STF negou novamente o recurso do clube carioca, por 3 votos a 1. Saiba mais aqui.

Torna-se fundamental, todavia, conhecermos o contexto histórico da época e como terminou o Campeonato Brasileiro do ano anterior (1986).

 

Sem nenhuma condição

 

A CBF, entidade organizadora da competição, desde 1979 (de 1959 a 1978 era CBD – Confederação Brasileira de Desportos), declarou publicamente na época, que “não tinha condições financeiras e estruturais para realizar a próxima edição”, isto é, 1987.

Por esse motivo, foi criada em 11 de julho de 1987, a União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro, ou simplesmente, Clube dos 13, que teve Flamengo e São Paulo como idealizadores. (Mais informações e dados referentes à Copa União aqui).

A ideia era que os próprios clubes organizassem a principal competição do país, como é feito hoje, por exemplo, nas principais Ligas do mundo. Faziam parte do Clube dos 13: Atlético-MG, Cruzeiro, Grêmio, Internacional, São Paulo, Santos, Palmeiras, Corinthians, Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. Em seguida, foi incluído o Bahia para que a nova Liga tivesse o seu representante do Nordeste.

Para a realização da competição foram chamados ainda: Coritiba, Goiás e Santa Cruz, contemplando também a região Centro-Oeste e formando então, os 16 clubes com as maiores torcidas da época e que disputariam o Campeonato Brasileiro de 1987. Tudo resolvido? Claro que não.

Durante as negociações para a realização do campeonato, o Clube dos 13 conseguiu o patrocínio inédito de uma marca para quase todos os clubes da Copa União: a Coca-Cola. (Mais detalhes aqui). Além disso, fechou também com outras grandes marcas como VASP e Açúcar União, que deu nome à competição, além da Rede Globo. Tal façanha despertou o interesse da CBF, que já havia chancelado a Copa União e declarado publicamente que não tinha competência para realizar a edição de 1987. Mas agora, milagrosamente, tinha.

Detalhe para a propaganda da época onde apenas 6 clubes não estampavam o logo da Coca-Cola em suas camisas, devido aos acordos anteriores com outros patrocinadores: Corinthians (Kalunga), Flamengo (Petrobras), Internacional (Aplub), Palmeiras (Agip), Santos (Suvinil) e São Paulo (BIC). Todos os 6 estrategicamente posicionados na última fileira da foto.

Dois clubes chamam a atenção em relação às aplicações do logo da Coca-Cola em suas camisas: Vasco, com o logo na diagonal e o Grêmio, com um box “vermelho” em sua camisa, fato que seria “corrigido” depois com a inédita (até então) aplicação da Coca-Cola em preto. Menção honrosa às aplicações do logo nas camisas (barrigas) de Coritiba e Santa Cruz.

 

Propaganda da Coca-Cola: Copa União de 1987

Propaganda da Coca-Cola: Copa União de 1987

 

Abaixo, o comercial de TV que veiculou na emissora que transmitiu todo o Campeonato de 1987, a Rede Globo. Pedimos desculpas pela qualidade do video:

 

 

 

Ziraldo e a criação das mascotes para 1987

 

Ilustrações de Ziraldo para os 16 clubes da Copa União de 1987

Ilustrações de Ziraldo para os 16 clubes da Copa União de 1987

 

O cartunista Ziraldo, que possui um dos traços mais famosos do mundo, teve a missão de criar as 16 mascotes da Copa União.

 

(Confira a entrevista de Ziraldo para a Revista Placar, em maio de 1988).

(E aqui, o link para o Álbum de Figurinhas da Copa União).

 

De volta às polêmicas em torno de 1987, existiram ainda outros pontos determinantes para a confusão que dura até hoje quando citamos a Copa União: os critérios de participação adotados pelo Clube dos 13 que desconsideraram, por exemplo, o vice-campeão de 1986: o Guarani de Campinas. Tais critérios foram elitistas e autoritários, num primeiro momento, mas é importante percebermos que os clubes fundadores da nova Liga representavam também, mais de 90% dos torcedores brasileiros da época. O cenário de guerra estava armado.

Neste link, você pode conferir ainda, toda a cronologia/desdobramentos, desde 1986, passando pelo ano de 1987 e até o ano de 2018, referentes aos recursos e sentenças para definição do campeão brasileiro de 1987. O apanhado faz parte do livro, 1987: a História Definitiva, de Pablo Duarte Cardoso, um resgate com riqueza de detalhes da maior controvérsia na história do futebol brasileiro. Outro livro importante na interpretação dos fatos é 1987: de fato, de direito e de cabeça, dos autores André Gallindo e Cassio Zirpoli: link.

 

O Paradoxo de 1987

 

Chegamos, portanto, ao título desse artigo. Por capricho dos Deuses, existe um paradoxo em relação ao “único” campeão brasileiro de 1987: toda a argumentação do Sport foi construída com base no regulamento da competição daquele ano, assinado por Eurico Miranda (Vasco), representante do Clube dos 13, em reunião com a CBF, mas que nunca teve a aceitação dos demais clubes da “Nova Liga”, em relação à definição do campeão brasileiro. Diziam que haviam concordado com o “cruzamento” (entre os Módulos Verde e Amarelo) para definição dos representantes brasileiros para a Libertadores do ano seguinte e não, para eleger o campeão.

Paradoxalmente, é exatamente a partir dessa construção por meio jurídico que o Sport poderia “perder” o direito ao título brasileiro, pois o quadrangular final, chamado de Copa Brasil, e realizado apenas por Sport e Guarani, não terminou em 1987 e sim, em 7 de fevereiro de 1988.

Pelo regulamento da competição e também pela CND – Conselho Nacional de Desportos (orgão responsável pela regulação e regulamentação de todos os esportes e suas respectivas Federações e Confederações no Brasil, entre 1941 e 1993), uma competição nacional teria que começar e terminar no mesmo ano. Não fosse o bastante, o “Módulo Amarelo” não teve um campeão “dentro em campo”, pois Sport e Guarani decidiram interromper a disputa por pênaltis, quando essa estava empatada em 11×11, e “dividir” o título, que foi ratificado (extracampo) pela CBF em 22 de janeiro de 1988. Outro ponto que contradizia o regulamento e as próprias diretrizes da CND.

Posteriormente, em 7 de fevereiro de 1988, foi realizada a “verdadeira decisão do Campeonato Brasileiro”, frase do narrador do SBT, Ivo Morganti, canal que transmitiu a partida e que contou também com as reportagens do jornalista, Jorge Kajuru. A decisão, disputada na Ilha do Retiro para um público pagante de 26.282 pessoas e com renda de Cz$ 4.905.000,00 (quatro milhões, novecentos e cinco mil cruzados), teve a vitória do Sport por 1×0, gol de cabeça de Marco Antônio (6) aos 19 minutos do segundo tempo. (Neste link a partida na íntegra).

Porém, diante disso tudo, o Flamengo lidou com um certo descaso e soberba em todas as investidas do Sport para ter o seu reconhecimento como campeão brasileiro e, durante o decorrer das sentenças (contra e a favor), como o único campeão brasileiro de 1987.

No final, o clube pernambucano conseguiu o reconhecimento, exclusivamente por parte da CBF, como sendo o único campeão de 1987. Importante frisarmos um detalhe sutil e, muitas vezes, polêmico em relação ao seu entendimento: fatos históricos são mais importantes do que decisões jurídicas, quando o objeto do estudo se refere à história, cabendo ao jornalista, pesquisador, escritor ou historiador, absorver essas nuances.

 

Time do Flamengo em 1987: final contra o Internacional

Time do Flamengo em 1987: final contra o Internacional

 

Time do Sport em 1987: final contra o Guarani-SP

Time do Sport em 1987: final contra o Guarani-SP

 

Acompanhando a cronologia dos acontecimentos (dentro e fora de campo) e pesquisando a fundo todos os cenários esportivo, cultural, midiático e jurídico em torno de 1987, percebemos que, o que estava em jogo era o cumprimento das leis, a habilidade dos advogados, os interesses políticos e não, o resgate do que aconteceu, de fato, em 1987. E ainda, como as duas competições, principalmente a Copa União, impactaram e mobilizaram todo o Brasil em relevância e significado. Lembrando, o cumprimento das leis é fundamental e necessário em qualquer sociedade democrática, mas não é determinante para eliminar/maquiar fatos ou acontecimentos.

 

Vale a reflexão

 

Juridicamente e legitimamente são duas coisas distintas que podem ou não ser a mesma coisa. Outro ponto importante para o entendimento de tudo o que aconteceu, há mais de 30 anos: fatos históricos não mudam com o tempo, decisões em tribunais, sim, dependendo dos interesses políticos ou econômicos de cada gestão e das habilidades e influências dos respectivos advogados contratados.

Quando resgatamos um periodo histórico é fundamental que o analisemos com a cabeça da época, como era a relação da competição com os clubes, torcedores, midia, imprensa e sociedade em geral, naquela ocasião. Qual era o propósito daquela competição quando foi criada e, principalmente, disputada dentro de campo.

E mais: saber sobre os critérios de participação, abrangência, qualificação ou não para outras competições, se haviam outras equivalentes durante aquele período de disputa, a infraestrutura do país (locomoção, estradas, rios, aeroportos e viagens), a noção de cidadania (país/nação) que existia, etc. Não devemos avaliar um período ou competição, por exemplo, com julgamentos a partir do nosso presente.

Diante de toda a pesquisa realizada é sensato dizer e, talvez seja o mais justo, reconhecer que tivemos dois campeões brasileiros em 1987: um de fato e outro de direito.

 

Campeões Brasileiros, desde 1959

 

Ao longo dos anos o nome e o sistema de disputa das competições que elegiam os campeões brasileiros foram alterados incessantemente pela CBD (1959 a 1978) e pela CBF (desde 1979). Em 1967 e 1968 foram realizados dois Campeonatos, cenário similar aos Torneios “Clausura” e “Apertura”, muito utilizados pelos sul-americanos e também pelo México ao longo de suas histórias.

Curiosidade: a nomenclatura “Campeonato Brasileiro” seria adotada oficialmente apenas em 1989, ano em que o Vasco da Gama se sagrou campeão, vencendo o São Paulo, na final. Abaixo todas as mudanças de nome até hoje:

 

• 1937* = Torneio dos Campeões

• 1959 a 1968 = Taça Brasil

• 1967 = Torneio Roberto Gomes Pedrosa

• 1968 a 1970 = Torneio Roberto Gomes Pedrosa | Taça de Prata

• 1971 a 1974 = Campeonato Nacional de Clubes

• 1975 a 1979 = Copa Brasil

• 1980 a 1983 = Taça de Ouro

• 1984 = Copa Brasil

• 1985 = Taça de Ouro

• 1986 = Copa Brasil

• 1987** = Copa União – Torneio João Havelange (Módulo Verde)  | Copa Brasil – Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Módulo Amarelo)

• 1988 = Copa União – Copa Brasil de Futebol

• 1989 a 1999 = Campeonato Brasileiro

• 2000 = Copa João Havelange

• 2001 e 2002 = Campeonato Brasileiro

• 2003 em diante = Campeonato Brasileiro – Série A

 

*Torneio dos Campeões – 1937:

No dia 25 de agosto de 2023, o título do Torneio dos Campeões foi unificado pela CBF aos títulos brasileiros conquistados a partir de 1959, a pedido do Atlético-MG, que havia entregue um dossiê sobre 1937 à entidade, um ano antes.

Torneio dos Campeões, conhecido também por “Copa Campeão dos Campeões” ou ainda, “Copa dos Campeões Estaduais”, foi um torneio promovido em 1937 pela “FBF – Federação Brasileira de Football”, que se uniria mais tarde à “CBD – Confederação Brasileira de Desportos” e, no ano de 1979, se tornaria a atual CBF. O torneio teve a participação dos campeões de 1936 das Ligas dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, além das equipes Liga de Sports Marina (convidado) e Sport Club Aliança (campeão campista), eliminados na fase preliminar.

Naquela época, a divisão regional do Brasil era diferente. Minas, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Sergipe formavam a “Região Oriental”. Já São Paulo, fazia parte da “Região Meridional”. Foi o segundo torneio entre campeões estaduais, organizado pela FBF, sendo precedido pelo “Torneio dos Campeões” em 1920, quando o Club Athletico Paulistano foi o campeão. Com quatro vitórias, um empate e uma derrota, o Atlético-MG ficou com o título e o Fluminense repetiu o 2º lugar de 1920. Você pode conferir todos os detalhes do Torneio dos Campeões de 1937 aqui.

 

**Copa União | Copa Brasil – 1987:

edição de 1987 foi separada em duas competições simultâneas: “Copa União – Torneio João Havelange”, realizada pelos clubes (Módulo Verde) e “Copa Brasil – Torneio Roberto Gomes Pedrosa”, realizada pela CBF (Módulo Amarelo). A ideia (proposta após a definição da Copa União como sendo a competição nacional daquele ano, e que teve a aprovação da CBF para isso), era promover um quadrangular final entre os campeões e vices de cada competição: Flamengo e Inter (Módulo Verde) e Sport e Guarani (Módulo Amarelo). Dessa forma, determinar os dois participantes brasileiros na Copa Libertadores da América de 1988, fato que não aconteceu na época e que gera muita polêmica até hoje, em relação ao título de “Campeão Brasileiro” daquele ano. Na oportunidade, Flamengo e Internacional se recusaram a disputar o quadrangular contra Sport e Guarani.

Importante registrar também que a final do Módulo Amarelo não terminou dentro de campo. Após uma vitória para cada lado (Guarani 2×0, em 6 de dezembro de 1987 e Sport 3×0, sete dias depois) e um empate em 0x0 na prorrogação do segundo jogo, Sport e Guarani decidiram encerrar a disputa de pênaltis, quando essa estava empatada em 11 a 11, e ambos, compartilharem o título do Módulo Amarelo.

Em 22 de janeiro de 1988, o Guarani desistiu do título e a CBF declarou o Sport como o campeão do Módulo Amarelo de 1987. (Mais detalhes aqui).

 

No post abaixo, o troféu oficial da CBF, oferecido aos dois campeões e os troféus da Revista Placar (Copa União | Torneio João Havelange – Módulo Verde) e da Caixa Econômica Federal “Taça das Bolinhas” (Copa Brasil | Torneio Roberto Gomes Pedrosa – Módulo Amarelo). Confira também no post a classificação final nas duas competições:

 

 

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Confira no video abaixo: imagens e lances da final, o gol “legal” anulado do Guarani, a disputa por pênaltis, a cobrança que daria o título ao Bugre e a invasão de campo por parte do presidente do Sport, Homero Lacerda:

 

 

 

Todos os modelos de troféus entregues aos Campeões Brasileiros

Ilustrações dos troféus: acervo Futbox

Ilustrações dos troféus: acervo Futbox

Ilustrações dos troféus: acervo Futbox

Ilustrações dos troféus: acervo Futbox

(Galeria de Troféus completa do Brasileirão – Séries A, B, C e D e de todas as principais competições de clubes e seleções de todo o mundo, atuais e extintas, aqui).

 

“Resgatar o passado significa assegurar o nosso presente para as gerações futuras.”

 

Fotos de capa: divulgação | Montagem: Futbox

 

 

Dois videos sobre 1987

 

1 – A Copa União:

 

2 – Regulamento de 1987:

 

 

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Adriano Ávila

A prova inquestionável que existe vida inteligente fora da Terra é que eles nunca tentaram contato com a gente.

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